Acesso a Oportunidades no Plano Diretor de São Paulo

O plano diretor de 2014 fez a cidade de São Paulo virar um grande canteiro de obras?

As mudanças recentes na produção habitacional formal em São Paulo

Ano de publicação ou divulgação do estudo: 2023

O que tem sido produzido pelo mercado imobiliário em São Paulo

Tem sido bastante comum nos últimos anos ouvir de moradores de São Paulo ou ler nos meios de comunicação questões relacionadas à cidade “ter virado um grande canteiro de obras”, a uma intensa “verticalização” da cidade e a um forte aquecimento no mercado imobiliário. Questões que também são fortemente associadas ao Plano Diretor Estratégico de São Paulo – PDE de 2014, com várias pessoas atribuindo as mudanças aos impactos do plano de ordenamento territorial da cidade. O que dizem os dados? Há mesmo um aumento na produção imobiliária em São Paulo pós PDE 2014? 

Um primeiro olhar sobre as variáveis relevantes indica claramente dois ciclos de alta produção habitacional separados por uma relativa queda entre os períodos. Desde já deve-se levar em consideração que os períodos referidos como inicial (2013-2015) e final (2019-2021) são períodos de alta relativa tanto em termos de empreendimentos, como em números de unidades, como em área de construção licenciados para incorporação. Já o período chamado de transição (2016-2018) é um período de baixa considerando tais variáveis.

Evolução do número de empreendimentos, unidades residenciais, área de construção e área de terreno licenciados (2013-2021)

Por trás dos grandes números, os dados referentes aos períodos inicial e final apresentam grandes diferenças. No período inicial (2013-2015), uma fatia relativamente pequena da produção residencial formal em São Paulo foi classificada na base de alvarás de licenciamento imobiliário da cidade como Habitação de Interesse Social (HIS) ou Habitação de Mercado Popular (HMP), que para esta análise são agrupados na categoria Empreendimentos Residenciais Populares (ERP). Já no período final (2019-2021), tais empreendimentos são predominantes em todos os indicadores considerados. Esse fenômeno, já apontado em alguns trabalhos recentes merece maior detalhamento por sua relevância em diversas dimensões (em especial no atendimento ao déficit habitacional), mas também para explorarmos o quanto estes números refletem uma evolução realmente observada na cidade.

  1. Evolução do número empreendimentos, unidades residenciais, área construída e área de terreno licenciados por tipo de empreendimento (2013-2021)

Fundamental reconhecer que a categoria ERP abarca empreendimentos e públicos beneficiários bastante distintos: famílias que recebem até seis salários mínimos (HIS) e entre seis e dez salários mínimos mensais para (HMP). Chama atenção que o crescimento de ERP se deu por dois fenômenos: (a) multiplicação de pequenos empreendimentos HIS; e (b) crescimento do número de grandes empreendimentos que possuem tanto unidades de HIS como com unidades HMP. O mapa a seguir mostra que estes empreendimentos de portes diferentes possuem comportamento locacional também bastante distintos. Empreendimentos ERP com até 50 unidades apresentam forte concentração em setores na Zona Leste e, em menor medida, na região Norte da cidade. Já empreendimentos ERP com mais de 50 unidades se distribuem de forma menos concentrada.

Localização dos empreendimentos ERP recentes por porte (2019-2021)

De fato, a implementação da política habitacional para quem precisa é um dos principais objetivos enunciados pelo PDE-2014 e incentivos para empreendimentos HIS foram criados entre 2014 e 2016. E é importante dizer que o PDE-2014 não introduziu alteração no critério de enquadramento de HIS, que permaneceu como unidade habitacional que se destina a famílias com renda igual ou inferior a seis salários mínimos. Por outro lado, a Lei de 2014 introduziu a diferenciação entre HIS 1 (até três salários mínimos) e HIS 2 (de três a seis) e reduziu a renda familiar máxima para unidades HMP a dez salários mínimos (antes eram dezesseis). No entanto, a destinação das unidades tipo ERP para famílias com as faixas de renda mencionadas não é fiscalizada no processo de licenciamento, ou em qualquer outra etapa seguinte pelo poder público municipal.

Zoneamento importa

A partir das macrozonas e macroáreas que compões a divisão territorial proposta pelo PDE, o quadro a seguir mostra que houve um aumento no número de empreendimentos e unidades nas macroáreas comumente referidas como “urbanas” (MQU, MEM, MUC e MRVU, que compõem a chamada Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana). Esse aumento se deu na comparação entre os empreendimentos regulados pelo regramento anterior versus o atual, dentro do período de análise aqui adotado. Mas chama mais atenção o significativo aumento no número de unidades e área de construção licenciadas nas zonas “rurais e ambientais” (MVRURA, MCQUA, MPEN e MCUUS, que compõem a Macrozona de Proteção e Recuperação Ambiental). Foram incrementos significativos na comparação entre os regramentos, mas também quando se compara com a variação observada no município como um todo. Por outro lado, nestas regiões viu-se também a redução da área de terreno licenciada para incorporação.

2. Variações no número de empreendimentos, unidades residenciais e áreas de construção e terreno licenciados no perímetro das atuais Macrozonas (regramentos selecionados)

A evolução do número de unidades residenciais licenciadas nos perímetros das zonas atuais mostra, a partir de 2017, um significativo aumento de unidades licenciadas nos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana (EETU). Também chama atenção o crescimento de licenciamentos nos EETU futuros14, que são as zonas que poderiam se transformar em EETU futuramente (a partir da aprovação do PDE-2014 e da LPUOS-2016) dependendo de certas condições. Também chama atenção o crescimento das unidades produzidas nas ZEIS de vazio a partir de 2017.

3. Evolução do número unidades residenciais licenciadas nos perímetros das zonas atuais (2013-2021)

Ainda sobre os EETU, verifica-se que os empreendimentos produzidos nos Eixos também passam a ser mais significativos na distribuição total, representando cerca de 15% dos empreendimentos nos anos iniciais (2013-2015) e entorno de 30% a 35% nos anos mais recentes (ver gráfico à esquerda na referência 15). Em termos relativos, chama atenção a redução da participação das Zonas de Centralidade e Zonas Mistas (ZCs& ZMs) nos novos licenciamentos, e o crescimento da participação das ZEIS de Vazio durante o período de transição (2016-2018). Novamente não é possível identificar a contribuição do novo regramento urbanístico aplicado na atração e expulsão de empreendimentos licenciados para estas regiões. No entanto, verifica-se que no período de transição, o novo regramento incidiu de forma mais significativa sobre empreendimentos localizados nos Eixos e nas ZEIS de Vazio (ver gráfico à direito na referência 15). Este fato, somada à grande proporção de empreendimentos no período final (2019-2021) localizados nestas zonas, é um indicativo de que o novo regramento foi capaz de atrair licenciamentos para estas regiões.

Uma cidade ainda fortemente segregada

A distribuição dos alvarás de construção emitidos também se alterou ao longo do período aqui analisado. O mapa da abaixo traz a localização de todos em empreendimentos licenciados durante o período aqui analisado. Os empreendimentos ERP se distribuem de forma desigual na cidade, com forte concentração de pontos nas regiões leste e norte. Já os novos edifícios ERM se concentram nos bairros centrais das regiões oeste e sul da cidade. Ou seja, apesar do aumento de empreendimentos e unidades ERP, verifica-se a intensificação de um padrão de segregação socioespacial, em que moradores de mais baixa renda não moram nos mesmos locais que moradores com renda maior.

4. Localização e número de unidades de empreendimentos licenciados por tipo de empreendimento (2013-2021)

Mas houve alteração na localização da produção residencial formal entre os períodos inicial, em que o regramento anterior predominava, e final, quando os novos Plano Diretor e a Lei de zoneamento vigoraram. Comparando a localização dos alvarás de construção em função de sua distância ao centro histórico da cidade (Praça da Sé), vê-se que o incremento de unidades de ERP no período final (2019 e 2021) se deu em regiões mais próximas ao centro antigo em relação ao padrão observado no período inicial (2013-2015). A densidade de ERP mais recentes se concentra entre 5km e 15km da Praça da Sé, enquanto no período anterior os alvarás se distribuíam entre os raios de 10km e 20km. Esse deslocamento emerge a partir do surgimento ou fortalecimentos de clusters de ERP em regiões mais próximas ao centro da cidade como no entorno da Penha e dos bairros de Santana e Tucuruvi, como ilustra os mapas da referência 19 identificando os clusters nestes dois períodos. Os ERM também se deslocaram na comparação entre os períodos inicial e final e passaram a se concentrar de forma mais intensa em regiões no entorno do raio de 5km da Praça da Sé.

5. Distribuição dos empreendimentos em função de sua distância ao centro da cidade (2013-2015 e 2019-2021)

CONCLUSÕES

A partir dos dados de alvarás de licenciamento viu-se que a produção habitacional formal na Cidades de São Paulo passou por grandes mudanças recentes, em diversas dimensões. A análise empírica desenvolvida neste artigo traz ênfase ao forte crescimento no número de empreendimentos, nas unidades habitacionais e na área construída observado na cidade como um todo, mas especialmente em relação à produção de ERPs. Mudanças tipológicas chamam atenção e caminham em diferentes sentidos, com uma redução na área construída por unidade de ERP e diversificação desta métrica em unidades ERM. Por fim, mudanças na distribuição espacial dos empreendimentos também se destacam e revelam um padrão de reprodução da segregação espacial com particularidades, que se somam aos padrões derivados da separação centro/periferia.